🌱 Armazenamento e aumento de custos são as principais dificuldades enfrentadas pelos produtores rurais na colheita de soja da safra 2024/2025. Se a seca causou o atraso do plantio, agora as chuvas intensas impactam na colheita, causando umidade nos grãos e aumento de fungos. Mesmo estabilizada atualmente, essa foi a colheita de soja mais lenta dos últimos quatro anos, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Veja abaixo outros problemas presentes no cotidiano dos produtores rurais:
- 🚜 dificuldades para colocar máquina em campo;
- 🌿 mofo branco;
- 🌾 grãos danificados;
- 🌱 perda de plantio;
- 🚛 condições das estradas.
A lavoura do produtor de grãos Jorge Diego Giacomelli, de 36 anos, ficou pronta para ser colhida em meados de fevereiro, mas nas duas fazendas, em Jaciara e Planalto da Serra, a 148 km e 254 km de Cuiabá, respectivamente, o produtor enfrentou a difícil realidade de ficar de três a quatro dias sem conseguir colocar as máquinas no campo devido às chuvas e o volume de água na plantação. A umidade excessiva e os períodos nublados afetam não apenas o peso dos grãos, mas também comprometem a qualidade e a produtividade da colheita.
Mesmo com colheitadeiras próprias, Jorge optou por contratar máquinas de terceiros com o objetivo de acelerar a colheita sempre que o clima favorecer, mesmo que o grão esteja úmido.
“A estratégia tem sido colher o grão, ainda que estiver úmido. Quando possível, colhemos noite adentro, pra tentar tirar essa soja do campo dentro da janela de colheita”, explicou.
O pouco de soja que conseguiu colher nos dias sem chuva, chegou aos armazéns com alta umidade, o que acarretou prejuízos. Para enviar o grão de forma rápida à Rondonópolis, que fica a 72 km da fazenda de Jaciara, ele precisou contratar mais caminhões, sendo necessário pagar fretes mais caros devido ao aumento do preço do diesel e à alta demanda por veículos.
O diretor istrativo da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), Diego Bertuol, pontuou que os produtores enfrentam dificuldade para chegar aos armazéns, já que estradas ficam intrafegáveis com grandes filas de caminhões e cargas não sendo recebidas por causa do alto teor de umidade.
“É preocupante, ainda mais sabendo que o produtor paga mais de R$ 3 bilhões entre soja e milho de Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), que seria para o propósito dessas estradas. Ainda vemos a precariedade e necessidade de trazer mais desses recursos para regiões onde estão começando esses trabalhos”, ressaltou.
Ao g1, o Governo do Estado informou que 1,4 mil km estão sendo asfaltados e 133 km deverão ter o asfalto recuperado. Além disso, 74 pontes de concreto estão em obras para facilitar o deslocamento dos grãos aos armazéns.
Para o produtor Thiago Minuzzi, de Campo Verde, a 139 km de Cuiabá, a colheita na propriedade começou com atraso de mais de 20 dias, e os impactos foram visíveis. A umidade aumentou a incidência de doenças fúngicas na lavoura, o que fez aumentar o custo com fungicidas.
O mofo branco é uma das doenças que tem gerado grandes preocupações, pois, se não controlada, pode dizimar a plantação rapidamente. Para tentar combater o problema, o produtor tem aplicado cerca de quatro sacos de fungicida por hectare, mas o excesso de umidade tem dificultado a eficácia dos tratamentos, tornando os fungicidas caros e pouco eficientes.
Além disso, a chuva constante tem impedido a colheita. Thiago perdeu uma grande quantidade de soja, que acabou apodrecendo nas plantações. Ele também é produtor de sementes e o desempenho da produtividade foi afetada de forma severa pela umidade.
“A colheita do primeiro talhão [área de terra cultivada] da nossa produção de sementes foi perdida. Foram bem poucas sementes e não conseguimos colher com alta qualidade”, disse.
🏭 Chegou no armazém, e agora?
Os grãos que chegam aos armazéns com avarias estão sujeitos a grandes descontos no mercado, e os produtores que optam por armazenar a soja em fazendas enfrentam a dificuldade de manter esses grãos por longos períodos, o que pode acarretar em novas perdas financeiras.
O diretor istrativo da Aprosoja afirma que os armazéns que o estado possui hoje já não conseguem ar a demanda.
A capacidade estática de armazenagem no estado em 2024, estimada pela Conab, é de 50,82 milhões de toneladas de grãos. Segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), esse número corresponde a um déficit de 35,40 milhões de toneladas, se comparado com a produção de soja e milho na safra 2023/2024, que juntas totalizaram 86,22 milhões de toneladas.
Segundo o superintendente do Imea, Cleiton Gauer, não há um número oficial de armazéns em Mato Grosso, mas o ideal seria que houvessem espaços capazes de armazenar, no mínimo, a produção anual de uma região para que o produtor se sinta seguro.
“Em caso de dificuldade logística ou um problema comercial que impacte drasticamente o mercado local, mais armazéns dariam segurança e o produtor teria onde armazenar essa produção. Temos cerca de metade da capacidade, o que é ruim, considerando que o produtor precisa processar tudo o que é produzido e escoar a produção para dar vazão à segunda safra”, analisou.
🔎 De acordo com dados divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex), o Brasil exportou 98,81 milhões de toneladas de soja em 2024, uma redução de 3% em comparação a 2023. Mato Grosso é atualmente o maior produtor nacional de soja e foi responsável por 25,03% das exportações brasileiras em 2024, totalizando 24,74 milhões de toneladas. O número representa um recuo de 12,7% em relação a 2023, reflexo da redução de 13,84% na produção estadual na safra de 2023/2024.
Agora a colheita de soja começou a se estabilizar e segue para reta final, mas os produtores já se preocupam com o próximo o: o plantio do milho. O cereal deve ser plantado fora da janela de plantio e, consequentemente, deve ter a produtividade afetada.
☔ O que dizem os meteorologistas
Segundo o climatologista e doutor em meteorologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Rodrigo Marques, o atraso das chuvas em época de plantio da soja ocorre desde 2019 e já era esperado pelos especialistas. No entanto, fenômenos como o El Niño contribuíram para essa desestabilização climática.
“Desde 2019 temos tido um atraso nas chuvas, e em 2024 já era esperado que as chuvas não começassem em setembro. Em 2024, ainda tivemos impacto do El Niño que diminuiu as chuvas na Amazônia e aumentou o volume de chuva no sul do Brasil”, explicou.
💧 O uso da água a favor do produtor
Para o Engenheiro Agrônomo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), José Renato Bouças, o cenário para as lavouras será de inconstância, mas há medidas que os produtores podem adotar para melhorar a situação no futuro.
Entre as ações recomendadas estão o armazenamento de água para ser utilizada no início da colheita, o uso de mecanismos para acelerar a infiltração da água no solo e a preferência por grãos com maior resistência a condições climáticas adversas.
“É indicado que os produtores invistam muito em materiais mais tolerantes às altas temperaturas, em manejo do solo, melhorar o armazenamento de água, mas principalmente aproveitar melhor toda e qualquer água que caia no solo”, recomenda.
O produtor também pode acompanhar as mudanças climáticas para se planejar melhor nas próximas plantações e colheitas. Desde 2019, a plataforma AproClima, desenvolvida pela Aprosoja, gerencia riscos e oferece e aos produtores por meio de informações sobre o clima e planejamento agrícola. A iniciativa considera as condições meteorológicas e as estações climáticas instaladas estrategicamente nas propriedades rurais.
Atualmente, Mato Grosso conta com 72 estações meteorológicas que auxiliam na coleta de dados. Os produtores têm o aos dados das suas próprias estações e também das demais, por meio das informações disponíveis na plataforma.
⌛Futuro no campo
A tendência, ainda segundo o climatologista, é que Mato Grosso tenha menos chuvas anuais. No entanto, devido ao aumento do calor, as pancadas de chuva serão mais intensas e as secas mais severas, o que impacta os períodos de plantio e colheita nos próximos anos.
“Não quer dizer que vai aumentar o volume de chuva anual, ou que vai chover mais, mas a tendência é que tenhamos menos chuvas anuais em Mato Grosso. Devido ao calor, as pancadas de chuvas com ventos fortes, volume alto de chuva em pouco tempo de duração e secas mais severas se tornam mais frequentes. E isso terá um impacto muito grande nos períodos de plantio e colheita”, conclui.